IPCA negativo pelo terceiro mês consecutivo

Por Carlos Gilbert Conte Filho

            A economia brasileira registrou deflação pelo terceiro mês consecutivo, o que não acontecia há 24 anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do País – ficou em 0,29%. Com esse resultado, entre julho e setembro desse ano, a economia brasileira acumula deflação de -1,32%. Os fatores que levaram o IPCA a apresentar, mais uma vez, deflação é o objeto desse texto.

            Antes de entrar na análise propriamente dita dos fatores que levaram o IPCA a registrar o terceiro resultado consecutivo de queda, deve-se ponderar de que a deflação – que já era esperada pelo mercado – veio mais branda do que o conjecturado. Ainda assim, a deflação a menor é insuficiente para modificar significativamente a expectativa do mercado para o IPCA ao fim de 2022.

De acordo com o Boletim Focus divulgado no dia 10 de outubro, o mercado prevê o IPCA em 5,71% ao fim de 2022 (enquanto que há 4 semanas a expectativa era de 5,74) (gráfico 1). Ou seja, mesmo ante as sucessivas deflações, o índice ainda está acima do teto da meta estipulada pela autoridade monetária para esse ano (o centro da meta é de 3,5% podendo variar em 1,5% para mais ou para menos). Ressalta-se, contudo, que ao longo das últimas semanas a expectativa do IPCA para 2022 caiu vigorosamente o que faz com que essa esteja próximo do resultado esperado para 2023 (em torno de 5%).

Em relação ao resultado de setembro, esse foi menos significativo do que o registrado nos dois meses anteriores. Em julho o IPCA ficou em -0,68%; e, em agosto, em -0,36%. Além disso, o IPCA-15 – utilizado como uma prévia do IPCA – divulgado no fim de setembro apontava que o IPCA deveria vir em torno de -0,37%. Ou seja, houve um erro de 0,08%. Isso posto, diante do resultado de setembro, o IPCA acumula 4,09% nesse ano (gráfico 2).

Para analisar os fatores que tem feito com que o IPCA registre deflação pelo terceiro mês consecutivo, devemos ponderar como o índice é elabora. IPCA é um índice composto por uma cesta de bens, ou seja, é uma média de diversos itens que o compõe. Logo, deve-se analisar o comportamento de itens como habitação, alimentação, vestuário e transportes, para citar alguns.

Dito isso, observa-se que dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE e que compõe o IPCA, quatro tiveram deflação em setembro – sendo a mais intensa observada no grupo Comunicação – e cinco tiveram inflação – sendo a mais intensa a observada no grupo Transportes. Ademais, a deflação do grupo Transportes foi o que mais contribuiu sendo responsável por -0,41% no IPCA de setembro. Isso se deve à queda nos preços dos combustíveis e por conta do peso desses itens sobre o total do indicador. Com uma queda de 8,33%, a gasolina exerceu o impacto individual mais intenso, de -0,42%. Os outros três combustíveis pesquisados também tiveram queda de preços: etanol (-12,43%), óleo diesel (-4,57%) e gás veicular (-0,23%). Assim, o grupo transporte apresentou deflação de 1,98% em setembro, o que (ainda) se deve aos frutos da política do governo federal de limitar a cobrança do ICMS pelos estados. Contudo, o efeito dessa política vem diminuindo ao longo dos meses últimos (essa foi implementada em julho). Uma vez reduzido o preço dos combustíveis em uma determinada data, esse efeito deixa de ser sentido mais fortemente nos períodos subsequentes. Não é de surpreender que, em agosto, a deflação dos combustíveis havia sido mais proeminente: -3,37%.

Além dos combustíveis, a inflação de setembro surpreendeu para baixo nos itens alimentos consumidos em casa (-0,86%) e em artigo de residência (gráfico 3). Entretanto, também mostrou alta em itens de vestuário (+1,77%) e despesas pessoais (+0,95%), especialmente as recreativas.

O que se nota, é uma resiliência dos preços de serviços – principalmente relacionados a lazer – que seguem elevados. Os serviços ligados ao turismo, como hospedagem, subiram 2,88% no mês enquanto os pacotes turísticos avançaram 2,30%, acumulando, em 12 meses, altas de 24,07% e 19,78%, respectivamente. O que explica o comportamento desses ainda é o efeito da demanda reprimida durante a pandemia. Como as pessoas deixaram de viajar, agora que a pandemia entrou em um período de relativo controle, todos estão ávidos por serviços que durante mais de dois anos não puderam consumir. E essa procura excessiva se reflete nos preços (a velha lei da oferta e da demanda).

Diante desses resultados é importante ressaltar que o grupo da alimentação caiu pela primeira vez em 2022. Foi a primeira deflação para este grupo desde novembro do ano passado, quando ficou em -0,04%, e a mais intensa desde maio de 2019, quando ficou em -0,56%. Os preços médios de alimentação e bebidas tiveram queda de 0,51%, depois de terem subido 0,24% em agosto. Em outros meses, a escalada de preços foi ainda mais intensa: 2,42% em março e 2,06% em setembro. Esse grupo de bens representa itens de primeira necessidade e o que absorve a maior fatia da renda das famílias mais pobres.

            Contribuíram para o a deflação dos alimentos itens como o leite o leite longa vida e o óleo de soja. O leite longa vida foi item que mais pesou na deflação do grupo de alimentos e bebidas em setembro. Com queda de -13,71%, esse item contribuiu com -0,15% no resultado do mês. Apesar da queda, o item ainda tem alta de 36,93% no acumulado dos últimos 12 meses. Em relação ao óleo de soja, o preço médio caiu 6,27% em setembro, o que se deve a redução do preço no mercado internacional.

            Mesmo ante a um cenário positivo em relação a inflação, os analistas de mercado não preveem uma queda da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75%. Como a deflação em setembro era esperada, resultado não modifica projeções para o ano e o corte de juros só deve começar mesmo no segundo semestre de 2023. Tal assertiva foi confirmada no Boletim Focus de 10 de outubro: o mercado estima uma Selic, ao fim de 2022, em 13,75% e, ao fim de 2023, em 11,25% (os mesmos números divulgados há quatro semanas).

Por fim, ressalta-se que o governo estima um IPCA em 5,6% devido a uma queda adicional nos preços da eletricidade em novembro devido a alterações tarifárias. Ainda assim, o IPCA deve fechar o ano acima do teto da meta (como já mencionado). E quanto maior é a inflação, menor é o poder de compra da população, principalmente dos mais necessitados. Portanto, mesmo com resultados positivos, o momento ainda é de cautela, o que leva a autoridade monetária a manter o pé sobre o freio da economia.