A eleição de Trump e os reflexos na economia brasileira
2024-11-28 16:45:48Por Carlos Gilbert Conte Filho
A eleição de Donald Trump para a Presidência nos Estados Unidos deverá trazer desafios para a economia brasileira (e mundial) nos próximos anos. Uma das principais preocupações para o comércio exterior é o prometido aumento geral no imposto de importações que pode resultar em redução no volume de comércio global, desvalorização cambial e mudança no fluxo de capital (com investimentos que poderiam ser realizados aqui migrando para os EUA). Não obstante, ainda há a questão climática. Vejamos.
Uma das principais pautas da campanha de Trump é o aumento do protecionismo. Há de se pautar, entretanto, que ainda não se sabe o que foi um barulho de campanha para o que será de fato implementado. Fato é que o republicano defendeu, em campanha, uma política mais protecionista em relação ao comércio exterior, sobretudo em relação à China. Trump prometeu ampliar a taxação sobre importações em pelo menos 10% de forma linear, e em 60% para produtos chineses. Mas engana-se quem acredita que isso será de todo ruim para o Brasil.
Ao mesmo tempo em que medidas de proteção comercial podem prejudicar exportações intrafirma brasileiras que existem em razão do estoque de investimentos americanos no Brasil (o maior entre os estrangeiros com US$ 228,8 bilhões em 2023), a disputa EUA-China deve ter efeitos heterogêneos nos embarques brasileiros. Ainda que o aumento do protecionismo americano não seja o melhor cenário para o comércio internacional (tal medida deve conter o crescimento mundial, com impacto no consumo das commodities e queda do comércio), este pode beneficiar a exportações de produtos da agropecuária para a China. O Brasil concorre com os EUA na exportação de produtos agropecuários tendo a China como destino. Nesse sentido, durante o mandato anterior de Trump, o conflito entre EUA e China se acirrou e isso fez com que os chineses passassem a comprar mais produtos agrícolas do Brasil, como a soja. Logo, com a vitória de Trump, o Brasil tende a fortalecer a base econômica com a China, que vai cada vez mais querer comprar e negociar com o Brasil, porque os Estados Unidos vão se tornar ainda mais um parceiro não confiável.
Atualmente, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, a barreira dos US$ 104 bilhões em exportações do Brasil para a China foi ultrapassada, baseada, principalmente, em minério de ferro, soja e carne. No entanto, embora os Estados Unidos tenham perdido o protagonismo em 2009 no que se refere aos principais parceiros comerciais com o Brasil (gráfico 1), o mercado americano continua sendo o maior destino das exportações de bens industrializados. Em 2023, as exportações de manufaturas brasileiras para os EUA totalizaram US$ 29,9 bilhões (o que supera o bloco europeu cujas exportações foram da ordem de US 23,5 bilhões; e o Mercosul com US$ 19,4 bilhões).
Fato é que os EUA não deverão adotar nenhuma política que torne mais fácil aos americanos importarem aço, produtos agrícolas (como açúcar, suco de laranja, biocombustíveis) e produtos têxteis. Esses são setores que geram muitos empregos nos EUA e que tradicionalmente são beneficiados por políticas protecionistas. São setores que se forem expostos ao comércio internacional serão prejudicados. O aço brasileiro, por exemplo, é mais barato, assim como os produtos agrícolas.
Por outro lado, as importações de petróleo por parte dos EUA talvez até sejam estimuladas. Trump fala em ampliar a produção doméstica de petróleo, mas também vai querer importar sem as barreiras das ações climáticas visando potencializar a indústria americana. Logo, o que pode ser outro consenso é o interesse americano em ampliar laços com Brasil e outros países para mais importações de minerais estratégicos, cruciais para a indústria americana.
É necessário de se pautar que o aumento de tarifas linear prometido por Trump deve afetar o Brasil via câmbio. A tarifação competitiva pode ter como reação as desvalorizações das moedas mundo afora. De certa forma, isso já está acontecendo. Já houve uma depreciação de câmbio nos últimos dias devido à percepção de risco do que significa um governo Trump do ponto de vista geral de gestão de política econômica, especialmente na política fiscal americana.
Com a vitória de Trump, a preocupação com a taxa de câmbio pode permanecer nos próximos anos porque ele tem sinalizado políticas bem emaranhadas do ponto de vista econômico. Pode acelerar a inflação por lá e interromper a incipiente trajetória de queda dos juros americanos, o que afetaria a destinação de capital estrangeiro para mercados emergentes, como o Brasil. As altas tarifas de importação defendidas por Trump, somadas à redução de disponibilidade de mão de obra estrangeira, farão a inflação dos EUA subir. Com isso, a trajetória de redução de juros será interrompida e os capitais deverão migrar em volumes maiores para os EUA, afetando mercados emergentes como o Brasil. Ademais, com a ampliação dos juros no EUA e a consequente desvalorização cambial do Real, outro ponto que emerge é a inflação por aqui (já que diversos produtos são importados ou possuem insumos importados), algo que já vem sendo pauta e motivo de preocupação pelo governo brasileiro.
Em relação as questões climáticas, Trump já demonstrou preferência por uma agenda de política internacional que é antagônica à visão global fortemente advogada pelo Brasil em prol de precaver a deterioração climática. Indo direto ao ponto, é uma agenda anticlimática, antimultilateralista e antirreforma das organizações internacionais, em particular da OMC.
Trump tem um histórico de negacionismo em relação ao tema, é um defensor dos combustíveis fósseis e, no fim de seu mandato, em 2020, retirou os EUA do Acordo de Paris (avalizado por mais de 190 países para reduzir a emissão de gases de efeito estufa). Sendo assim, independentemente de qualquer simpatia ou antipatia em relação ao novo governo americano, fato é que a eleição do republicano representa um retrocesso para a pauta ambiental e climática no mundo. Mesmo assim não é suficiente para esvaziar esforços globais. Nesse sentido, a Europa tem a responsabilidade e a oportunidade de assumir a liderança nesse quesito.
Por fim, a relação Brasil-EUA é outro tema que preocupa devido a antagônica visão de mundo em relação aos dois governos. Contudo, o governo brasileiro minimizou a eleição de Trump. Para dar suporte a esse entendimento, é apontado a relação entre Brasil e Argentina após a eleição de Milei. Nesta, as transações internacionais entre os dois países não sofreram qualquer interferência política (ao contrário do que o presidente argentino propunha durante a campanha eleitoral). Sendo assim, espera-se que os ruídos que possam surgir entre os governos dos EUA e do Brasil sejam os menores possíveis. Ademais, o futuro governo republicano não deve trazer medida específica para o Brasil apesar das divergências políticas que existirão em relação ao governo Lula. Sobraria em terras tupiniquins, grosso modo, apenas as consequências do protecionismo americano.