Inflação dos alimentos
2025-01-28 08:43:34Por Carlos Gilbert Conte Filho
O grupo “Alimentos e bebidas” no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do País –, subiu 7,69% em 2024, após alta de apenas 1,03% no ano anterior. A alimentação no domicílio, especificamente, saltou 8,23%, depois de registrar deflação em 2023 (-0,52%). Apenas as carnes viram os preços saltarem quase 21%. Todos esses números ficaram acima da inflação em 2024 (4,8%).
Em 2024, o valor da cesta básica aumentou nas 17 capitais onde o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realiza pesquisa, sendo as maiores altas em João Pessoa (11,9%), Natal (11%), São Paulo (10,6%) e Campo Grande (10,4%). Nos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a faixa de renda baixa registrou a maior alta inflacionária em relação aos alimentos, em 2024 (5%).
Sozinho, o fenômeno climático El Niño respondeu por 2,25% da alta na alimentação em casa em 2024. Embora isso não deva se repetir em 2025, os preços de alimentos não devem ter grande alívio neste ano, diante de outras pressões, como o dólar. A mediana do mercado espera inflação de 6,4% para a alimentação no lar em 2025, segundo o Boletim Focus do Banco Central. É com esse pano de fundo que o governo elabora um plano para conter os preços dos alimentos.
Não é de hoje que os governos anunciam medidas junto aos supermercados para tentar conter inflação (com ou sem apoio dos empresários do ramo). Quase 40 anos atrás, o País criou a figura dos checadores de preços (os “fiscais do Sarney”), consumidores que visitavam lojas – à contragosto das empresas –, para cobrar de quem vendia caro. No último ano do governo de Jair Bolsonaro, em meio às pressões do período eleitoral de 2022, o ex-presidente pediu que as varejistas reduzissem suas margens de lucro para ajudar a conter a escalada dos preços de alimentos após a pandemia. Acabou não dando em nada. Agora, o governo informou que há um conjunto de medidas em análise que podem ser tomadas junto ao setor supermercadista para reduzir a inflação, com o intuito de dar uma resposta mais rápida ao consumidor (e antecipando o debate eleitoral de 2026). O fato é que ao mesmo tempo em que determinadas ações tomadas junto às empresas não são garantia de preços mais baratos nas gôndolas, é fato também que o governo deve tratar de cobrar isto das lojas, caso as medidas sejam implementadas.
O setor supermercadista já correu na frente e indicou uma série de sugestões que seriam uteis para conter os preços. Entre essas, estão: i) mudança da data de validade dos produtos; ii) comercialização de remédios em supermercados; iii) revisão das taxas de cartões de benefício alimentação. Em sendo essas ações de fato aplicadas, ninguém no varejo espera que sejam remédio definitivo contra a inflação, e a ideia da pauta nunca teria sido essa. Segundo analistas do mercado, a inflação cai com corte de gasto.
Caso as medidas realmente avancem – via projeto de lei (algumas já estão em tramitação na casa há anos) –, as varejistas podem esperar a cobrança de Lula, além da crítica dura de outros setores contrários às medidas, como as redes de farmácias. Entretanto, o governo já sinalizou que ampliar a validade dos produtos, de forma alguma, estará em pauta. O setor farmacêutico é outro que esperneia e que não vê com bons olhos a medida aventada em relação aos supermercados venderem quaisquer tipos de medicamentos, pauta que iria contra os interesses do setor.
Quanto a revisão das taxas, segundo a Abras, que representa o varejo alimentar, a proposta envolve reestruturar o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) para permitir o fim da cobrança de altas taxas pagas pelas lojas sobre a venda de produtos por meio de cartões de benefícios de alimentação. Chega-se a pagar 10% de taxa sobre a venda, mesmo em redes grandes. Uma cobrança menor poderia ser revertida em margens melhores e em repasses a preços. Para que isso avance, no entanto, teriam que negociar com as emissoras de cartão, que no passado já criticaram a proposta. Contudo, nos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vales ou vouchers são uma possibilidade, mas que não necessariamente se traduzem em queda de preços. Os lojistas, possivelmente, abocanhariam essa parcela resultando em maior margem de lucro.
Fato é que, historicamente, intervenções sobre o setor supermercadista não são bem-sucedidas. Analistas de mercado dizem ver com muita preocupação as discussões atuais. Medidas como as que estão sendo cogitadas minam a credibilidade da gestão macroeconômica do governo, que já é baixa no que diz respeito, por exemplo, à política fiscal (o que, inclusive, levou à elevação do prêmio de risco doméstico e à deterioração dos preços dos ativos brasileiros).
Em suma, o que se percebe é algum desespero do governo em ver os preços dos alimentos caírem, o que foi uma promessa de Lula durante a campanha eleitoral. No entanto, o governo se deparou com uma série de eventos não previstos (enchentes no Rio Grande do Sul, secas e incêndios, fenômeno El Ninho e a escala do dólar). Todos esses fatores pressionam os preços dos alimentos que, infelizmente recai sobre as famílias de mais baixa renda, ou seja, o principal eleitorado de Lula. E como a campanha eleitoral para 2026 já começou, o governo tem feito de tudo para cumprir a promessa de campanha (cerveja e picanha na mesa dos brasileiros).