A elevação da taxa Selic para 15% ao ano: causas, contexto e efeitos sobre a economia brasileira
2025-06-27 09:00:20Por Carlos Gilbert Conte Filho
Em uma decisão que surpreendeu parte do mercado e reacendeu debates sobre a condução da política monetária no Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou – pela sétima vez seguida – a taxa básica de juros (Selic) para 15% ao ano (gráfico 1). Esse é o maior patamar em quase 20 anos (em julho de 2006, ainda no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Selic estava em 15,25%). O movimento representa um forte aperto monetário e marca uma inflexão na trajetória recente da Selic, que até pouco tempo vinha em queda ou, no máximo, estabilizada. A elevação abrupta levanta questões sobre os fatores que motivaram essa decisão e seus impactos sobre o consumo, o investimento, o crédito e as contas públicas.
Para compreender os motivos que levaram o Banco Central a adotar essa postura mais agressiva, é necessário considerar um contexto macroeconômico desafiador, tanto no plano interno quanto no externo. Quatro fatores principais ajudam a explicar essa escolha:
1) Pressões inflacionárias persistentes: apesar de algum alívio observado nos meses anteriores, a inflação voltou a acelerar, puxada por alimentos, combustíveis e serviços. O IPCA acumulado em 12 meses – desde outubro de 2024 – supera o teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), gerando desancoragem nas expectativas inflacionárias de médio e longo prazo (gráfico 2). Não obstante, a leitura de maio veio acima do esperado e mostrou ampla difusão dos aumentos de preços, indicando que os choques inflacionários não são apenas temporários.
2) Desancoragem das expectativas: relatórios como o Boletim Focus apontaram que as expectativas para a inflação de 2025 e 2026 começaram a se afastar do centro da meta de 3%, ameaçando a credibilidade da política monetária. Nesse cenário, o aumento da Selic busca reverter essa tendência e sinalizar ao mercado o comprometimento da autoridade monetária com o regime de metas.
3) Deterioração fiscal: a fragilidade das contas públicas contribuiu para elevar os prêmios de risco. A flexibilização da meta de superávit primário, o aumento das despesas obrigatórias e a dificuldade em aprovar medidas de elevação de receita ampliaram a percepção de risco fiscal, pressionando o dólar e alimentando a inflação.
4) Cenário internacional adverso: a manutenção de juros elevados nos Estados Unidos aumentou a pressão sobre moedas emergentes, exigindo que o Brasil mantenha um diferencial atrativo para evitar fuga de capitais. A valorização do dólar, a intensificação da aversão ao risco e os conflitos geopolíticos em diferentes regiões do mundo aumentam os custos de produção e dificultam o controle da inflação global, com reflexos diretos sobre economias emergentes como o Brasil.
Diante desse diagnóstico multifacetado, os efeitos da decisão do Copom se desdobram por diversos canais da economia brasileira. No curto prazo, um dos principais canais de transmissão é o crédito. Com juros mais altos, o custo dos financiamentos aumenta, afetando diretamente o consumo das famílias. Modalidades como cartão de crédito rotativo, cheque especial e financiamento de bens duráveis se tornam mais caros o que, consequentemente, leva a uma redução da demanda agregada. Dado o alto nível de endividamento das famílias brasileiras, essa situação tende a se agravar.
Do lado das empresas, sobretudo pequenas e médias, o aumento do custo do capital e a queda na confiança devem postergar ou cancelar investimentos. Isso compromete a formação bruta de capital fixo e o crescimento de médio prazo. Em paralelo, a atividade econômica mais fraca reduz a geração de empregos formais, com impacto mais imediato nos setores dependentes de crédito e consumo, como comércio e construção civil.
Outro efeito importante ocorre no setor externo. A alta dos juros tende a atrair capital especulativo de curto prazo, promovendo a valorização do real e contribuindo para conter a inflação importada. No entanto, essa valorização cambial pode prejudicar a competitividade das exportações, principalmente em um cenário global de baixo crescimento, o que tende a comprometer o desempenho do PIB (já que o Brasil depende amplamente das exportações de bens primários).
Adicionalmente, há impactos sobre as contas públicas. Como boa parte da dívida mobiliária federal é indexada à Selic, o aumento da taxa básica eleva o custo do serviço da dívida, agravando o desequilíbrio fiscal. Isso gera um ciclo adverso: mais juros exigem maior esforço fiscal, o que pode comprometer a capacidade de resposta do Estado – já pressionado por demandas sociais e críticas da oposição.
Apesar dos custos relevantes, a decisão do Banco Central visa evitar um cenário ainda mais nocivo: o de uma inflação persistentemente elevada e descontrolada. Inflação alta corrói o poder de compra, especialmente dos mais pobres, amplia a desigualdade, desorganiza os preços relativos e eleva a incerteza generalizada. Além disso, afasta investimentos, pressiona o câmbio e reduz a capacidade de planejamento de longo prazo.
Se não for controlada, a inflação pode entrar em espiral, com reajustes antecipados de salários e preços que se retroalimentam, tornando a política monetária ainda mais difícil e custosa. Nesse sentido, a elevação da Selic busca restabelecer a credibilidade, condição essencial para o crescimento sustentado.
Mesmo com efeitos negativos no curto prazo, o aumento da Selic para 15% é uma resposta dura, mas necessária, diante do contexto inflacionário e fiscal atual. No entanto, é importante reconhecer que a política monetária, sozinha, não é suficiente. É imprescindível a coordenação com a política fiscal e o avanço de reformas estruturais que fortaleçam a confiança, melhorem o ambiente de negócios e garantam maior previsibilidade para os agentes econômicos.
Além disso, a redução das incertezas no plano internacional – com o arrefecimento de tensões geopolíticas e uma menor volatilidade nos mercados – são fundamentais para aliviar pressões inflacionárias e possibilitar uma trajetória sustentável de queda dos juros.
Sem esses alinhamentos, os juros elevados correm o risco de se tornarem um remédio amargo sem cura definitiva e por um longo período, impondo alto custo social e gerando apenas alívios temporários na luta contra a inflação.
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