Aumento do IOF: Medida, Impactos e Repercussões
2025-06-02 11:22:01Por Carlos Gilbert Conte Filho
Em março de 2025, o governo federal anunciou um conjunto de medidas fiscais com o objetivo de conter o avanço do déficit primário e garantir o cumprimento da meta fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Entre essas medidas, uma das mais controversas foi a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), tributo federal incidente sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos.
A decisão visava recompor parte das receitas que não se concretizaram ao longo do exercício, mas acabou gerando forte reação negativa no mercado financeiro, entre empresários e parlamentares, o que levou o governo a recuar parcialmente. A escolha do IOF como instrumento arrecadatório despertou questionamentos não apenas sobre seus impactos econômicos e setoriais, mas também quanto à forma como foi conduzida, revelando falhas na articulação política e na coordenação interna da equipe econômica. As alterações implementadas abrangeram as seguintes áreas:
• Operações de crédito para empresas:
o Alíquota na contratação passou de 0,38% para 0,95%;
o Alíquota diária passou de 0,0041% para 0,0082%;
o Teto anual da alíquota subiu de 1,88% para 3,95%.
• Empresas do Simples Nacional:
o Teto anual passou de 0,88% para 1,95%.
• Operações cambiais:
o Cartões de crédito e débito internacionais, cartões pré-pagos e compra de moeda em espécie passaram a ter alíquota unificada de 3,5% (antes, variavam entre 1,1% e 3,38%);
o A alíquota passou a incidir também sobre remessas de recursos ao exterior destinadas a investimentos e operações de curto prazo.
• Planos de previdência de alta renda (VGBL):
o Introdução de IOF de 5% para aportes mensais acima de R$ 50 mil.
Essas mudanças não afetaram operações como financiamento habitacional, crédito estudantil, Finame para aquisição de máquinas e equipamentos, e programas sociais e de infraestrutura. Segundo o Ministério da Fazenda, a arrecadação adicional esperada com a medida é de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026.
A equipe econômica justificou o aumento do IOF como uma forma de corrigir distorções tributárias entre pessoas físicas e jurídicas, promovendo maior isonomia. Segundo o governo, a diferença entre as alíquotas aplicadas às empresas e aos consumidores finais seria um fator de desequilíbrio concorrencial.
Além disso, a medida buscava compensar perdas em outras frentes de arrecadação. Estimativas anteriormente otimistas com receitas oriundas de mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na CSLL sobre bancos e em concessões não se confirmaram. O governo esperava arrecadar R$ 52 bilhões com o Carf em 2024, mas obteve pouco mais de R$ 380 milhões.
A equipe econômica também indicou que o IOF poderia atuar como instrumento complementar à política monetária, ao aumentar o custo do crédito e contribuir para a desaceleração da atividade, permitindo, futuramente, a redução da taxa Selic. No entanto, essa tentativa de harmonizar as políticas fiscal e monetária gerou dúvidas quanto à real intenção do governo, uma vez que o IOF tradicionalmente tem caráter extrafiscal, voltado ao controle do fluxo cambial, e não à geração de receita permanente.
A resposta do mercado foi imediata e fortemente negativa. O anúncio provocou alta do dólar, queda nos ativos de empresas nacionais e críticas abertas de executivos do setor financeiro. Algumas linhas de crédito empresariais registraram aumentos de custo de até 4 pontos percentuais, afetando desde microempreendedores até grandes conglomerados.
O aumento do IOF incide diretamente sobre o custo de financiamentos empresariais, impactando o investimento produtivo, a renovação de capital e a expansão de negócios. Em um contexto de juros elevados, o aumento do IOF pode produzir efeitos análogos aos de uma nova elevação da taxa Selic, agravando ainda mais a situação de empresas já pressionadas por margens estreitas e pelo ritmo lento de crescimento. Nesse sentido, pequenas e médias empresas, que não acessam o mercado de capitais e dependem do crédito bancário, são as mais afetadas. O encarecimento das operações tende a reduzir o volume de concessões e aumentar a inadimplência, com impactos negativos sobre o nível de emprego e o consumo agregado.
A tributação de operações como risco sacado – usadas por empresas para antecipação de recebíveis – também gerou preocupação. Setores como o varejo alertaram para o risco de quebra de empresas e a geração de passivos judiciais, uma vez que a antecipação de valores sem coobrigação não configura operação de crédito e, portanto, não deveria ser tributada.
Nesse contexto, o setor de fomento mercantil (factoring) – cuja atividade principal consiste na antecipação de recebíveis para micro, pequenas e médias empresas frequentemente excluídas do crédito bancário tradicional – foi particularmente impactado. O aumento abrupto do IOF sobre essas operações tende a restringir significativamente a atuação das empresas de factoring, afetando diretamente a liquidez de milhares de pequenos negócios que dependem desse instrumento para manter capital de giro, pagar fornecedores e cumprir obrigações imediatas. O impacto econômico pode ser expressivo: além da elevação de custos, há o risco concreto de judicialização em massa dessas operações, o que, somado à retração na oferta de crédito alternativo, ameaça comprometer todo o ecossistema de financiamento descentralizado do país.
Para pessoas físicas, o aumento do IOF nas compras internacionais também elevou os custos de viagens ao exterior, compras com cartão internacional e aquisição de moeda estrangeira. A unificação da alíquota em 3,5% eliminou vantagens de instrumentos como cartões pré-pagos e multimoedas, encarecendo as operações e exigindo maior planejamento financeiro dos consumidores.
Em relação à atuação do governo, a elevação do IOF permitiu reduzir o volume de contingenciamento orçamentário necessário em 2025. O bloqueio anunciado foi de R$ 31,3 bilhões. Ainda assim, o resultado primário real, considerando despesas com precatórios, deve atingir R$ 76,3 bilhões de déficit. A Instituição Fiscal Independente (IFI) estima que o déficit estrutural tenha passado de 1,4% para 1,7% do PIB entre 2023 e 2024. Considerando que os gastos com juros atingem 7,8% do PIB, o Brasil precisaria gerar superávits primários entre 1% e 1,5% do PIB para estabilizar a dívida pública. A estratégia de elevar receitas via aumento de impostos, sem cortes estruturais de despesas, foi considerada frágil por analistas, pois posterga um ajuste fiscal mais profundo e sustentável.
O episódio do aumento do IOF expôs fragilidades na coordenação entre a equipe econômica, o núcleo político do governo e o Banco Central. A tentativa de reforçar a arrecadação de curto prazo, implementada sem diálogo prévio com os setores afetados, gerou ruídos institucionais, insegurança regulatória e retração no ambiente de negócios. O uso de um tributo com natureza extrafiscal para fins eminentemente arrecadatórios transmitiu a imagem de improviso, comprometendo a credibilidade da política econômica. Ainda que o objetivo de equilíbrio fiscal seja legítimo, a forma como as medidas foram concebidas e comunicadas dificultou sua aceitação social e política.
Esse desalinhamento institucional ficou ainda mais evidente com a reação ao anúncio da elevação do IOF sobre investimentos de fundos no exterior – uma medida revertida poucas horas após sua divulgação, em meio a reuniões emergenciais no Palácio do Planalto. A condução e o timing da decisão foram amplamente criticados pelo mercado. Diante da repercussão negativa, o ministro Fernando Haddad precisou se pronunciar publicamente para esclarecer que o decreto não havia sido pactuado com o Banco Central, apesar de declarações contraditórias por parte de sua própria equipe.
Em síntese, o episódio do aumento do IOF revelou não apenas os limites da estratégia arrecadatória adotada pelo governo, mas também fragilidades estruturais na formulação e comunicação da política fiscal. Medidas pontuais e mal coordenadas geram instabilidade, ampliam a insegurança jurídica e comprometem a previsibilidade necessária para a tomada de decisões no setor produtivo. Para restaurar a confiança dos agentes econômicos e garantir a sustentabilidade fiscal no longo prazo, será imprescindível adotar um caminho mais consistente, baseado em reformas estruturais, responsabilidade institucional e diálogo transparente com a sociedade.
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